"Ninguém sabe onde e quando começa uma história, ou melhor, uma história tem muitos afluentes: há o dia em que P.J. Harvey encontra uma capela dedicada a Santa Catarina no alto de um monte; há a canção de Björk a fornecer a metáfora do novelo; há José Barrias a lembrar que “este romance nunca existiu”; há a multifacetada figura de Santa Catarina de Alexandria ao fundo, no início do novelo. Conta-se que era uma mulher bela, de nobre linhagem, sábia, que decidiu dedicar-se inteiramente à religião cristã. Foi capaz de bater em torneio filosófico cinquenta doutores de Alexandria e convertê-los, repudiou o imperador Maximiano em nome do seu compromisso com a fé, e escapou ao martírio da roda, a que este a condenara. Foi depois decapitada mas, também na morte, continuaram os prodígios: das suas feridas brotou leite em vez de sangue e os anjos levaram o corpo e a cabeça para o Monte Sinai. Trata-se de uma santa que durante séculos gerou acesas devoções, tida por poderosa intercessora junto a Cristo, e nessa qualidade invocada tanto pelas donzelas casadoiras, como pelos teólogos, filósofos e estudantes, ou pelos diversos ofícios que se serviam da roda: oleiros, carroceiros, moleiros, etc.. Se a veracidade histórica desta mártir acabou por ser posta em causa pela Igreja, que a retirou em 9/5/1969 do calendário litúrgico oficial, continuam bem palpáveis, no entanto, os vestígios da fé nela depositada ao longo do tempo.
É esta permanência das efabulações antigas que Pedro Berenguer recolhe para tecer inesperados laços com as bem actuais ficções da mulher/manequim. Tudo isto, no seu trabalho, é matéria-prima para uma prática da pintura enquanto narrativa, que ele constrói quer pela figuração fragmentada em vários painéis, quer pela incorporação de textos, mapas e percursos, quer pela propositada técnica de acumulação de papéis e de camadas de tinta transparentes, que vão adensando a superfície pictórica e criando mistério, nas suas sucessivas ocultações. As histórias e as imagens alheias de que se apropria misturam-se com as suas indestrincavelmente, tal como acontece com os materiais e as técnicas que usa, entrecruzando colagens, transferência e pintura.
De uma narrativa se diz que se desenrola, mas ninguém sabe quando, e onde, e como, acaba uma história, pois a qualquer momento ela pode ser reactivada."
Isabel Santa Clara
Maio de 2004
É esta permanência das efabulações antigas que Pedro Berenguer recolhe para tecer inesperados laços com as bem actuais ficções da mulher/manequim. Tudo isto, no seu trabalho, é matéria-prima para uma prática da pintura enquanto narrativa, que ele constrói quer pela figuração fragmentada em vários painéis, quer pela incorporação de textos, mapas e percursos, quer pela propositada técnica de acumulação de papéis e de camadas de tinta transparentes, que vão adensando a superfície pictórica e criando mistério, nas suas sucessivas ocultações. As histórias e as imagens alheias de que se apropria misturam-se com as suas indestrincavelmente, tal como acontece com os materiais e as técnicas que usa, entrecruzando colagens, transferência e pintura.
De uma narrativa se diz que se desenrola, mas ninguém sabe quando, e onde, e como, acaba uma história, pois a qualquer momento ela pode ser reactivada."
Isabel Santa Clara
Maio de 2004
Para estrear o blog e porque a citada compreendeu o título melhor do que ninguém (da Exposição e, presentemente, do blog)... e, também, porque fiquei todo babado por este texto ter sido escrito de propósito para mim!!