19.4.06

Quando


Quando os novelos crescerem tanto que beberão a água dos oceanos e os gatos atravessarem o espaço deixado, transportando brincos de princesas para enfeitar teias de aranha, eu ficarei, aqui, olhando as pegadas e semeando silêncios.

Sal na boca e água nas mãos




Nunca tinha visto o mar, apesar de viver numa ilha. Sabia que aqueles altos e montes eram rodeados por um líquido azul, habitado por criaturas de armadura prateada, onde iam desaguar as lágrimas dos desgarrados e esquecidos.

Por muito tempo hesitou em seguir aquela água que tilintava até depois dos vales. Uns dias, seguia-a até ouvir estranhas gentes com falares diferentes do seu, mas acabava, sempre, por voltar ao seu habitáculo…seguro, familiar, conhecido.

Num entardecer, porém, uma dessas criaturas de sítios distantes e pele beijada pelo sol atravessou-lhe o caminho. Olharam-se e reconheceram-se apesar de nunca se terem visto até aí.
A noite caía e com ela o orvalho – seria assim o mar? Fresco…chegando sem darmos por isso e só reparando nele quando as gotas nos beijavam a pele? Quando já era tarde. As palavras trocadas durariam aquela noite apenas. Não mais. A criatura pelo sol tocada perguntou-lhe o que queria porque pouco podia oferecer.

- O mar. Apenas o mar… - disse-lhe

- E o mar terás! – respondeu-lhe.

Na manhã que se seguiria, trouxeram-lhe o sal na boca e água nas mãos.

Seguiu-se um adeus.
Não se voltariam a ver. Não voltaria a provar sal daquela boca ou sentir água daquelas mãos. Não… mas os beijos trocados traçariam o mapa até à praia, onde ficou de olhos postos no horizonte até ao fim dos tempos, esperando.