15.11.06

Swallow's Ceremony


“(…)
Oh I'll break them down, no mercy shown
Heaven knows, it's got to be this time,
Avenues all lined with trees,
Picture me and then you start watching,
Watching forever, forever,
Watching love grow, forever,
Letting me know, forever.”
Ceremony, New Order, 1987

Num dia pardacento de Novembro, e com algum atraso, aterrou ao jeito de andorinha corajosa, não temendo intempéries invernosas na rudeza do calhau. O voo picado não cansara e com sua malha riscada e casaco de abafo mais quente, quais armaduras prateadas, fez-se ao céu menos azul e, em tom de desafio, entoou esse seu macio (ainda que inaudível para a maioria) canto.
Sem ninho ou mantimento de reserva rodopiou tendo consigo, somente, um sorriso maroto, mas envergonhado, e aquela estranha confiança a quem as coisas correm, repetidamente, bem. Como não acreditava em deuses da maioria ou, mesmo, aos esquecidos pagãos, fez ninho em menos de seis dias e não descansou no sétimo. Em vez disso, lá faz uns descansos ocasionais entre piruetas e voos contra-picados e adapta-se, SEMPRE, à corrente.
Passam ciclos e luas, ventos e chuvadas, beijos e beliscões. Passam caracois e tartarugas por todo o lado, e, também, ninhos por riachos e tutinegras pelo ar.


Quanto ao menino que, um dia, chorou desalmadamente por uma dessas aves da Primavera, morta entre o vento molhado e o pára brisas, cresceu, seguiu o conselho dado e esperou, ali, no virar da esquina onde a andorinha sorri para si.


Por fim, correm-se jardins, saltam-se festas e trocam-se beijos na madrugada. Ri-se bem alto e não se olha em volta.

13.11.06

Catarina II


Catarina lembrava-se de escolher aquela liga acetinada de cor branca, mal a vira na loja, numa tarde quente e ventosa. Mas isso de pouco interessava, hoje. Ria muito nervosa, como não havia gargalhado sequer , no escuro, nessa "primeira vez", como lhe chamavam.
Essa noite, em que o chão de madeira fora menos frio que a chuva que caía. Ao contrário, das suas amigas estava farta de esperas que não lhe faziam qualquer sentido. Nesse dia decidira que a pressa não seria inimiga da perfeição. O tempo passara e as noites como aquela repetiriam-se.
Agora, seis anos volvidos, deliciava-se com aquele medo adolescente de ser tocada, qual virgem envergonhada. Antes de sair do trabalho, chamou, histericamente, a colega Maria, que acabava de ser deixada, por um carro preto, na berma da estrada. Maria, uma mulher de quarenta e dois anos, mas que se vestia como se tivesse menos vinte, fitou-a com o sorriso frio que dava aos homens casados com quem tomava cafés depois do almoço.
Aquele mexer de lábios gélido parecia deitar ao chão todos esses sonhos vãos, afinal ela era uma das que “se usa sem agitar e sem fingir ternura”. Tirou a liga, no meio da rua e atirou-a para os arbustos repetindo baixinho, para si mesma em jeito de lenga-lenga, treze vezes “as putas não amam!”

Aconchego

Não é que os tectos de casas emprestadas ou castelos andantes lhe soubessem a pouco, porque sempre os sorvera com especial vontade, mas em dias vagarosos e indispostos, apetecia-lhe, muito mais, o conforto daquela concha de caracol, não alheia.

Da-da

Passara a manhã a pendurar palavras que teimavam em não pescar, pelo que resolveu atirá-las ao ar, ao acaso, em jeito de jogo dadaísta, como fizera, naquele dia, aos pedaços de céu caídos no chão.

9.11.06

An ocean wrapped around a pineapple tree


Os barcos de papel fazem portos em covas de sorriso e descem decotes, avizinhando mãos a seguir trilhos de pegadas, enquanto se dança na relva com o dormir do sol.
Mesmo assim, corre-se até à praia, e, em tom de desafio, testam-se limites. Em planícies, dali avistadas, onduladas a pincel e tesoura, rodopia-se até cair e diz-se o que à boca vem, sem freios, deixando soar.
E porque, noutros portos, a areia é outra, experimentam-se alternativas ao atirar roupas para o chão e perdem-se apostas, já que, uma vez mais, as punições são mais doces do que as vitórias. Fica-se cheios de grãos que como açúcar incomodam o corpo e entranham-se na carne, mas sem formar pérolas, como a penetrar saias de ostras. Por fim, ri-se muito, olha-se o despertar do sol e enrolam-se oceanos inteiros em bandejas de frutos.
Depois, dias, há, em que se deixam os mesmos barcos seguir a sua corrente, sentados em sorrisos que não damos, observando novas rotas, em oceanos de cartão.

Porque, às vezes, não tenho, mesmo, pachorra!

O ar rodopia em minha volta, quais andorinhas em mudança de estação, enquanto deixo sair esses gritos, fazendo dos meus lábios, saída de emergência e todo o meu corpo, uma casa em chamas.

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH!