"Laura observa. A casa de jantar parece-lhe, neste momento, a mais perfeita sala de jantar que se possa imaginar, com as suas paredes de cor verde-amarelada e a arca de bordo escura que guarda um tesouro de objectos de prata, presentes de casamento. A sala parece-lhe quase impossivelmente cheia: cheia com as vidas do seu marido e do seu filho, cheia com o futuro. Tem importância. Brilha. Grande parte do mundo, países inteiros, foram dizimados, mas uma força que dá inequivocamente uma sensação de bondade prevaleceu; parece-lhe que até Kitty será curada pela ciência médica. Ela curar-se-á. E, se não se curar, se já não for possível ajudá-la, Dan, Laura e o filho de ambos, e a promessa do segundo filho, continuarão aqui, nesta sala, onde um rapazinho franze a testa, concentrado na tarefa de tirar as velas do bolo, e onde o seu pai aproxima uma delas da sua boca e o convida a lamber a cobertura do doce.
Laura lê o momento enquanto ele passa. Aqui está, pensa; já lá vai. A página está prestes a ser virada.
Sorri ao filho, serenamente, de longe. Ele retribui-lhe o sorriso. Depois lambe a ponta de uma vela apagada e pensa noutro desejo, que pede seja satisfeito."
Cunningham, Michael.(2003) As Horas. Lisboa: Gradiva Editora. P.203
2 comentários:
As horas! Sempre as horas. Os minutos a passar e a malta põe o olho no presente, larga o passado e não tenta adivinhar nem sonhar com o futuro.
E em 224 páginas, V. Wolf, Laura Brown e "Mrs. Dalloway" tentam-no!
"The hours between us. Always... the hours."
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