17.1.07

Hoje

“Words are very unnecessary”
(Depeche Mode)


Hoje, apenas hoje, façamos de conta que isto é, mesmo, real. Vamos ignorar este cerco de muralhas de água altas – demasiado altas! Não, isto não é um rochedo aqui plantado.

Hoje, só hoje, vamos fazer de conta que realmente nos importamos e que há, mais lá fora, do que apenas isto. Faz de conta que os cavalos já não choram e ri como se, realmente, o sentisses.
Caso contrário, pede ao teu corpo para falar mais baixo, para não o sentir tão ensurdecedor. Já tenho tangerina nas mãos e não estou para parti-la! Até porque ainda ontem comia maçãs, em chão de casa emprestada.
Esta carcaça de falsa morada, um dia, colapsa sob o peso desse corpo morto com que teimas em passear. Já te expliquei que estes nossos diálogos a surdina não levam a sítio algum – estamos, aqui, parados à esquerda do meio há três centenas e meia de dias. Perdi a pachorra para te contar no calendário e os relógios que uso são só ornamento – pensei que subesses.
Hoje apenas hoje, fica aqui, sem falar. Ou então faz-te a esse avião de papel e segue, logo, um outro rumo.

12.1.07

Nem com maçãs te apago II


Forras o teu interior a pele de raineta, na esperança de que, dentro dessa casa de cor rosada, consigas albergar esse meio sol em crescimento. E enquanto o forras, para não teres de soprar tanto os ponteiros do relógio, supões as cartas por receber – haverão mais, certo? Colchões, almofadas e edredões, pouco te irão ocupar e acordas antes do despertador.
Unes com fio de estendal o anteontem, o hoje e o amanhã de forma a te atares ao chão e a não esqueceres caminhos mal trilhados - seguindo o exemplo dos gémeos da casa de chocolate. Migalhas de pão alimentarão pássaros e tu sabe-lo melhor!
Acumulas maçãs quentes como malaguetas num canto do habitáculo, como se uma toca abastecesses e pisas, sem meias ou sapatos, esse soalho emadeirado. Apagarão a outra metade de sol que tens em ti, pensas.
Não receias, no entanto, intempéries invernosas, até porque sabes que aguentarias um nevão sem pestanejar. Delicias-te com a tua desfaçatez e essas letras por descobrir.

Amanhã


Quando os relógios pesam tanto como maquinarias antigas, ensopam-se novelos em banhos de sépia a fim de os mudar de cor. Tempos houve, em que os mesmos circundavam paisagens e mundos esféricos de matiz adocicada e voltavam a tempo de tomar chá.
Mas com o pesar dos relógios e dos dias, que teimam em apressadamente passar, ensaiam-se conversas de ocasião, ocas de sentido e pesadas de constrangimento. Diz-se aquilo em que não se parece acreditar, para em jeito de cartada final, o desdizer.
Oferecem-se convites com mão recolhida e finge-se não perceber as meias verdades suspensas no ar como se de bolas de sabão se tratassem.
Ao fim do dia, reclama-se a jeito de egoísmo infantil as faltas e ausências do agora, sonhando com um ontem ficcionado.
Amanhã? Amanhã nascerão bebés enquanto outros são feitos, correr-se-ão maratonas a passo de caracol, travaremos diálogos sem escassez de pormenores, comer-se-ão (sofregamente) laranjas inteiras abertas com mão emprestada, cantar-se-á bem alto na pauta mais desafinada que houver, dançaremos electricamente com quem estiver ao lado, sentiremos borboletas ou outro insecto qualquer a bater asas na barriga (ou não!). Amanhã? Amanhã apanharemos autocarros e aviões para destinos mais certos, acompanharemos em directo mais uma execução, fiaremos novas teias de enfeite, faremos piadas mordazes e corrosivas só para quem puder entender, reabasteceremos corpos de beijos e beberemos vodka da garrafa com o gelo e o sumo à parte.
Amanhã? Pedirás a cartola emprestada ao Chapeleiro Maluco da Alice, porque te faltou uma tiara, ainda que não o vestido. Amanhã? Amanhã reclamarás, novamente a minha ausência e engolirás sorrisos tão descartáveis como cartão, brindando com o champanhe que derramas
.

Santas, Princesas e Ervilhas





Pedro Berenguer conta histórias no silêncio – espaço onde coabitam os corpos, os sonhos e os dias. As suas pinturas são territórios para as donzelas (de hoje, mulheres/manequins ou corpos, ou de ontem, figuras históricas ou santas, ou apenas mulheres com nome de baptismo) inventarem a cidade, a casa, o quarto, a janela, a carta… ou o olhar de alcatrão que penetra o espectador e baralha o seu mundo. São histórias. Era uma vez está ausente ou não se lê, sente-se. O fim, the End, é o devir de uma nova narrativa, de um corpo que habita a casa ou morre na concha de uma mão inventada. As palavras escritas (por linhas tortas, como as vontades dos anjos) procuram a bússola dos dicionários, dos livros, das revistas ou do ponteiro do relógio (e da hora apagada).
Vejo nestas pinturas (e no seu desenho) a ideia de alfândega – onde tudo é despachado, até os corpos, mortos (também podem ser moribundos porque os homens não separam a vida de pré-morte); até as palavras, inteiras (também podem ser fragmentadas porque os homens há muito que abandonaram a casa); até as cores, quentes (também podem ser frias porque os homens perderam o sentido do norte e do sul); até as cartas, escritas (também podem ser apenas páginas brancas porque os homens adormeceram).
Leio nesta pintura a ressaca de palavras baralhadas com sentido de ocultar/desocultar o eu (teu, meu ou dos outros) de um actor sem palco, sem texto, sem estreia marcada, mas com a coreografia desenhada num útero candidato a sonho.
Pedro Berenguer escreve histórias no silêncio – espaço onde os amores gelam nas ruas sem número de polícia. As suas pinturas revelam as bocas cadentes que estorvam os prazeres da epiderme e as paisagens (aqui corpóreas) são revestidas pela pele do corpo (e dos corpos) e da palavra (das palavras).
Rita Rodrigues
Dezembro de 2004

Last Christmas











No Natal passado, abstraímo-nos dos objectos e elevámos as suas abstracções à potência máxima, suspendendo-os, no intermédio de tectos, e com a sua ausência de peso, ao passeio atrevido e jocoso do ar.
No sub-solo semeámos estrelas e sentámo-nos a ver o silêncio assentar, enquanto à sombra falávamos.

1.1.07

The Time of the Turning

It's the time of turning and there's something stirring outside
It's the time of turning and the old world's falling
Nothing you can do can stop the next emerging
Time of the turning and we'd better learn to say our goodbyes
canta-me a Alison Goldfrapp, neste primeiro dia do ano, ao ouvido, e eu não consigo deixar de lhe dar razão.